Tainá Kirst
3 min readDec 31, 2023

Última chance do ano

Nosso combinado, enquanto casal, é passar o Natal com a minha família (evento que renderia muitos escritos também) e o Ano Novo com a família dele em Bagé (a Rainha da Fronteira). Pois bem, aqui em Bagé (de onde escrevo hoje, portanto uma escrita intermunicipal) temos uma longa lista de amigos (digo temos, pois os amigos que eram só dele viraram meus amigos também) que procuram sempre que possível estar juntos. Numa dessas noites de boemia, quase final do ano, dia 30/12, fomos a um bar comemorar o desastroso jogo de futebol dos amigos que ocorrera mais cedo. Estávamos às gargalhadas lembrando os passes e dribles, como se estivéssemos naqueles programas televisivos de pós jogo. Cerveja vai, cerveja vem eu fui ao carro pegar um casaco (Bagé consegue ser mais destemperada que Porto Alegre) e o guardador de carros me pediu um isqueiro emprestado. Alcancei o isqueiro e ele disse “eu comentei com aquela mesa ali, também pedi um isqueiro para eles, eu disse que o cantor de hoje é canhoto, toca com o violão virado e é muito bom”. E eu “sim, é bem bom o cara mesmo, canta bem” e ele “bah é só ele voz e violão, eu sou fã dele, já falei isso pra ele” ele estava a uma grande distância, não foi invasivo e quando terminou de falar saiu pedindo desculpa, dava pra ver que estava empolgado com o show do cantor. E eu, sem entender o pedido de desculpa solto um bem porto-alegrense “capaz” e digo “ele é bom mesmo e é difícil vida de músico” ao que ele responde “pois é, verdade, eu não entendo nada de música, mas gosto dele”

Nesse momento eu aponto para a minha orelha e em seguida para o coração e digo “ah mas não precisa entender, quando toca o coração já diz tudo” e ele que já estava meio de lado pra sair dali disse um “verdade” como quem só concorda pra encerrar o assunto, mas segundo depois ele olha pra mim de novo e diz “bah moça, verdade, quando toca o coração já diz tudo, é verdade, boa noite, feliz ano novo ” e saiu cumprir sua tarefa de bem cuidar os carros.

Esse ano combinamos, meu companheiro e eu, de não comprarmos presentes nem para nós dois, para evitar aqueles sustos quando chega a fatura do cartão. Não sei se levada pelo famoso espírito natalino (talvez um pouco atrasado) ou se pelas emoções que as boas festas causam em nós, mas vi nessa conversa uma verdadeira troca de presentes, dessas dignas de comercial do Zaffari. Eu tinha um isqueiro e ouvidos atentos e ele a emoção pela música e essa ânsia de falar de arte achando que por não ser entendido não entende. Ele nem imagina, mas me presenteou com a chance de aquietar meu coração de escrevedora e escrever a última crônica de 2023 (e uma das únicas).

Tainá Maris Kirst
Estudante de História da Arte — UFRGS
Escrevedora

Tainá Kirst

Escrevedora da vida, do cotidiano, das gentes e de tudo que me vier à cabeça.